O desafio hoje é escapar da polarização e pensar o que realmente deu errado.
Uma das discussões mais profícuas na literatura sobre mídias sociais e política é a questão da polarização, i.e., o quanto mais polarizado (ou não) fica o ambiente político com as mídias sociais. Um argumento, por exemplo, é o de que as novas redes digitais facilitariam o encontro entre aqueles que pensam de forma semelhante e que isso poderia reforçar as próprias convicções do cidadão, pouco expostas ao contraditório. Além disso, o ambiente favoreceria posicionamentos mais incisivos que em encontros face a face, por exemplo, sobre questões comuns, posicionamentos estes que dificultariam o desenvolvimento do debate por não estarem dispostos a flexibilizar minimamente o argumento. Isso a longo prazo poderia ser prejudicial à democracia ao criar obstáculos para a construção de consensos.
Tudo isso já foi testado empiricamente em diferentes ambientes e os testes mostram resultados contraditórios. As mídias sociais podem vir a gerar esse fenômeno em dados momentos e ambientes, mas as mídias sociais não têm somente este efeito específico, mas uma variedade de efeitos possíveis, até porque mídias sociais, um termo hoje muito relacionado ao Facebook, são muito variadas e diferentes entre si, o que torna complicado qualquer tipo de generalização. Nas mídias sociais também há confrontos, debates, discussões, informação qualificada diferenciada, repercussão, visibilidade etc. Mas há também muita polarização, entendida como prática de comportamento e expressão que impediria o desenvolvimento da razão.
Vista dessa maneira, a polarização parece ser um elemento bastante forte do debate político brasileiro contemporâneo, e difícil não pensar que as mídias sociais têm algum efeito nisso, sendo poucas as vozes que conseguem demonstrar moderação em meio a um leque variado de extremismos e seus aparatos midiáticos. Nesse contexto, o desafio é escapar da polarização e pensar o que realmente deu errado, tentar entender por que, em menos de uma década, passamos da euforia à depressão, repetindo nossa dinâmica histórica de planos, milagres e crises homéricas, que, achávamos, tínhamos deixado para trás.
Um dos pontos que parece mais claro, por trás dos escândalos de corrupção e dos problemas de manejo das contas públicas, é o da "acomodação na bonança", informado talvez por um paradigma ideológico pré-1989. É importante lembrar que em 1989, em um intervalo de 6 dias, tivemos as primeiras eleições presidenciais democráticas depois do fim do Regime Militar e o fim da Guerra Fria, com a queda do Muro de Berlim. A partir mais ou menos desse ponto (Sarney iniciou reformas no comércio internacional brasileiro em meados de 1988) até a virada do século, toda uma nova estrutura material e de pensamento foi construída, o que faz com que qualquer ação ou reflexão política contemporânea possa ou mesmo deva ter como base os processos políticos e sociais desenvolvidos na época – sobre isso ver: O Brasil depois da Guerra Fria.
Pois quando Lula chegou à Presidência em 2002 muita coisa já tinha sido feita no processo de redemocratização do país, de ajustes em relação à economia globalizada e de inserção internacional no contexto pós-Guerra Fria, mas em 2002 ainda éramos um país em formação após todas as rupturas vivenciadas no fim do século XX, para não falar também da Crise da Dívida e da inflação dos anos 1980. Não à toa, foi somente quando o Partido dos Trabalhadores (PT) chegou ao poder que pudemos ter efetivamente algumas políticas sociais integradas à ação do Estado, em nível nacional. Isso aconteceu não somente porque era uma promessa do PT, mas também porque ainda havia esta brecha, no gerenciamento político da administração pública nacional. O próprio Lula tinha noção da importância da continuidade no processo de reformas quando em seu discurso de posse em 2003, no Congresso Nacional, afirmou: "Eu, que tive a honra de ser parlamentar desta Casa, espero contar com a contribuição do Congresso Nacional no debate criterioso e na viabilização das reformas estruturais que o país demanda de todos nós".
Pois Lula deixou o poder e as reformas para Dilma Rousseff, em 2011. A bonança do segundo mandato, até a crise internacional de 2008-2009 chegar, nos anestesiou a todos com o consumo desenfreado e esquecemos das reformas. O Programa de Governo de Lula 2002 prometia Reforma Tributária, Reforma da Previdência, Reforma Agrária, Reforma Trabalhista e Reforma Política, todas no cerne da crise atual. Nem mesmo no momento em que Lula mais tinha força política, alguma das grandes reformas apontadas foi de fato institucionalmente debatida.
Mas talvez fosse esperar demais de Lula e seu Partido dos Trabalhadores. Afinal, o PT é um produto do contexto do regime militar-industrial brasileiro, pré-Guerra Fria, informado pelo desenvolvimentismo da CEPAL. Nesse sentido, a crise atual, por trás dos problemas da corrupcão ou do gerenciamento das contas públicas, é menos produto do que o PT fez e mais do que ele é, ou, em última instância, do que somos, em um processo lento de adequação política do próprio partido e de nós mesmos, como nação e sociedade, a um novo contexto, uma nova tradição.