Em 23/10 de 2014, escrevi neste blog sobre a "americanização das eleições brasileiras", com base em discussão interessante do campo da mídia e política que diz respeito ao grau de americanização das dinâmicas políticas nos regimes democráticos contemporâneos, dado que os efeitos da tecnologização forçariam os ambientes a uma certa padronização das práticas.
No texto de 2014, trouxe como exemplo um estudo sobre o uso da internet em campanhas políticas em 19 países, que sugere que a difusão transnacional das tecnologias da Web tem trazido um certo isomorfismo nas práticas desenvolvidas por atores políticos no ambiente digital, cujo centro emissor original se encontra nas campanhas americanas (Foot et al in Chadwick; Howard 2009). Como argumentaram Blumler e Gurevitch, em um texto de 2001, as noções de globalização e de americanização se tornaram um mantra desde os anos 1990 e envolvem discussões sobre economia, cultura, a "globalização de tudo". Mesmo que tais noções tenham passado pelo escrutínio e a crítica de muitos de lá para cá, dizem os autores, seus poderes persuasivos não devem ser desprezados. No que diz respeito ao contexto eleitoral, sugeri em 2014 que a polarização entre PT e PSDB, a midiatização excessiva e o índice elevado de campanha negativa eram sinais, naquele momento, de uma relativa americanização das eleições no Brasil.
Pois volto com essa hipótese – a da americanização da política no Brasil –, agora para pensar o contexto mais geral e contemporâneo. Pelo menos três elementos reforçam a ideia de americanização: a polarização excessiva, a alta midiatização dos processos e das disputas políticas e a posição central do Poder Judiciário no desenvolvimento contemporâneo da democracia no país.
Sobre o primeiro ponto, não há dúvidas que estamos em um processo crescente de polarização política. Talvez não propriamente entre um partido e outro, como acontece no contexto eleitoral brasileiro – PT e PSDB disputaram os últimos 4 pleitos presidenciais no segundo turno: 2002, 2006, 2010 e 2014 – mas entre partidários e não-partidários do Partido dos Trabalhadores, com cenas de violência nas ruas e nas mídias sociais, bem como questionamentos ferrenhos à partidarização da "mídia tradicional".
Com relação à midiatização, que parece favorecer a polarização, está claro hoje que a imprensa cumpre um papel específico e controverso no processo de cerco do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva com a divulgação de informações originadas de delação premiada. A partir do momento que delação não substitui investigação e julgamento, os vazamentos da delação ou a simples divulgação pela imprensa das informações originadas da delação ou de partes mesmo da delação acabam transferindo o caso do âmbito judicial para o midiático, com consequências para a credibilidade do julgamento mais formal.
Sobre o terceiro ponto, não há dúvidas de que o Poder Judiciários em suas várias instâncias tem desempenhado papel central nas disputas políticas em jogo, tanto no que diz respeito aos processos de investigação criminal em cena, mas também no que concerne a dinâmica de processos tipicamente políticos como o do impeachment.
Vale lembrar, Bill Clinton, o ex-presidente mais popular da história americana do pós-guerra, sofreu, e muito, com os republicanos no caso Monica Lewinsky, inclusive a um pedido de impeachment. Além disso, foi outro dia que a polarização excessiva nos Estados Unidos levou à quase paralisação total do setor público no país, na época da proposta de reforma na saúde de Barack Obama. Da mesma forma, o Poder Judiciário dos EUA, em todas as suas instâncias, assume um caráter central na política americana, haja vista a dificuldade que todo e qualquer presidente tem de indicar juízes para a Suprema Corte do país – Obama vive este problema neste mesmo momento com a indicação de Merrick Garland.
E se for sempre assim, intenso, o dia a dia de uma democracia madura? Será que tanto estardalhaço é porque apenas não nos acostumamos com a intensidade das disputas e a publicidade das ações dos políticos em um ambiente democrático mais desenvolvido? Ou, talvez a melhor pergunta, será que nossas instituições aguentam tanta emoção?