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  • Arthur Ituassu

A ironia do destino de Paulo Guedes

Atualizado: 31 de mar. de 2020

Com a missão de liberar a economia, ministro terá que achar um keynesiano dentro de si

Arthur Ituassu, Dr. em Relações Internacionais, professor de Comunicação Política na PUC-Rio, autor de "O Brasil depois da Guerra Fria: como a democracia transformou o país na virada do século".


Oriundo do mercado financeiro e da Universidade de Chicago, Paulo Guedes se aliou a Jair Bolsonaro com a missão de implementar reformas liberais radicais na economia brasileira. Além da reforma trabalhista e da Previdência, o objetivo era desenvolver um amplo programa liberal em acordo com os anseios do grande empresariado e do setor financeiro do país, tendo como norte o que foi implementado pelos chamados "chicago boys" no Chile, durante a ditadura Pinochet. Nessa posição, de símbolo do avanço liberal, Paulo Guedes acabou por se inserir em um problema antigo da reflexão sobre a história econômica brasileira, isto é, o que significa ser liberal no Brasil. Não se trata de uma questão fácil, ainda mais quando se percebe que a influência não vem somente do passado, mas também do contexto em que está sendo pensada. Como escreveu Eliot, "O tempo presente e o tempo passado estão ambos talvez presentes no tempo futuro. E o tempo futuro contido no tempo passado". Ter chegado onde chegou, o ministro é uma representação clara do que na academia se chama de "momento neoliberal", que consiste de múltiplas interpretações (muitas delas equivocadas) de Friedrich Hayek, Milton Friedman e outros, a partir dos governos de Margaret Thatcher (1979-1990), na Grã-Bretanha, e Ronald Reagan (1981-1989), nos Estados Unidos. Da mesma forma que Trump é uma versão piorada de Reagan, Bolsonaro também é uma versão piorada de Collor, como bem lembrou Jan Werner Mueller, no Guardian. Visto em perspectiva histórica, o liberalismo brasileiro apresenta-se fortemente ligado a uma tradição conservadora de grandes fazendeiros e empresários, com pouca amostra dos elementos mais solidários da filosofia liberal calcados nos escritos de John Stuart Mill, por exemplo, ou do indiano Amartya Sen, ou mesmo nas ideias de democracia do liberalismo político de Rousseau, Thomas Jefferson, Norberto Bobbio ou John Rawls. Para fazer justiça, tivemos o nobre Joaquim Nabuco em sua luta pelo abolicionismo, no fim do Século 19, e, quem sabe, o libertarismo mineiro de Tiradentes cem anos antes. Nesse contexto, a tradição solidária da democracia brasileira foi absorvida mais ou menos a partir dos anos 1950 no Brasil pelo chamado "desenvolvimentismo", que se traduz na ideia de uma ampla intervenção e gerência da economia pelo Estado para fins específicos do "desenvolvimento econômico". Essa dicotomia histórica, entre uma opção liberal conservadora e outra estatizante desenvolvimentista, pode ter afastado ao longo de décadas a política da noção de "bem público". Trabalhando sempre em prol de um Estado menor, para a prosperidade econômica, ou maior, para o desenvolvimento econômico, pouco fizemos para ter educação pública de qualidade, hospitais públicos decentes, segurança pública cidadã, justiça igual para todos, saneamento básico universal. Paulo Guedes, assim, é um expoente radical da tradição liberal conservadora que, no controle do Ministério da Economia, procura desonerar os negócios dos obstáculos gerados pelo Estado. No entanto, como se não bastassem os 13 milhões de desempregados e a situação de recessão deixada pelo Governo Dilma, que por si só exigiriam mais do que um mantra dogmático por reformas, o ministro se vê em face de uma pandemia global que pode produzir a maior depressão da história econômica brasileira. É verdade que o Brasil tem dificuldades crônicas com as práticas "cíclicas" e "contra-cíclicas" clássicas. É difícil ser "contra-cíclico" de fato quando se é o tempo todo. Não à toa, este é o caso do contexto atual, quando o Estado, altamente endividado, vai precisar gastar montanhas de dinheiro para tentar apaziguar o estrago dos próximos meses, em especial para as camadas mais pobres da população. Não há outra opção, como têm alertado economistas de peso como Armínio Fraga, Monica de Bolle, Pérsio Arida e Gustavo H.B. Franco. Com isso, se fosse possível sugerir uma leitura ao ministro, "The Great Crash 1929", de John Kenneth Galbraith, seria uma recomendação imprescindível. Em sua obra histórica, Galbraith mostra como toda a ortodoxia liberal norte-americana errou em suas análises, previsões e recomendações sobre aquela crise. Naquele contexto, precisou um presidente seguir as prescrições do liberal John Mayard Keynes para as coisas voltarem ao seu lugar.

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