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  • Arthur Ituassu

Técnica e violência contra a democracia brasileira


Além da mistura nociva entre política e religião, que já vem sendo debatida nos últimos anos no Brasil, pelo menos outros dois aspectos cruciais do atual contexto eleitoral mostram a dificuldade que nossa cultura política enfrenta para aceitar preceitos básicos da democracia. O primeiro deles é a exacerbação da técnica, muito comum entre aqueles mais preocupados com as questões econômicas ou com a perspectiva de um Estado mais eficiente, fazendo a defesa de padrões técnicos indiscutíveis a serem implementados "de cima para baixo", os quais seriam capazes de resolver boa parte dos problemas do país.

Desnecessário dizer que certo nível de tecnicidade é benéfico ao funcionamento de qualquer administração pública e parece claro que boa parte dos nossos problemas é gerada pela ocupação política de cargos técnicos. No entanto, é importante frisar, a técnica sempre deve estar limitada aos serviços de Estado, terreno da administração, não da política. No que concerne à política, em especial à democracia, a técnica é sua antítese, dado que a democracia envolve a negociação com o outro, o convencimento ou a tentativa de convencer o outro e, até mesmo, o entendimento da realidade do outro. Com isso, o esvaziamento da possibilidade de negociação a partir do caráter tecnicista da argumentação impede o próprio desenvolvimento da política e da democracia; daí, inclusive, advém seu caráter autoritário. Não à toa, regimes autoritários são muitas vezes calcados na técnica e desenvolvidos por meio da técnica, como foi o caso do nazismo alemão (como bem argumentou Hannah Arendt).

O segundo aspecto, ainda mais grave, é a exacerbação da violência contra o outro. Ora, no terreno do cânone hobbesiano, a política existe para evitar a violência. A violência contra o outro – representada nos discursos de ódio, na intolerância racial, social, política e de gênero, na agressão física e verbal é também a antítese da política e da democracia. Não por acaso, em tempos em que a política é tão malvista, avulta nas pesquisas um candidato que, reiteradas vezes, já se manifestou violentamente contra o outro ou os outros que condena.

Dessa forma, para além da disputa pelos cargos, é importante perceber que os períodos eleitorais dizem muito sobre nossa política e nossa democracia. Nesse contexto específico, importa menos quem irá vencer e mais quem realmente somos.

A democracia (no sistema capitalista) é um bem, que não se pode ter sem custos. Em última instância, nós pagamos para ser livres – como para ter luz, roupas e comida. A liberdade tem seu custo, mas é sempre melhor viver com ela do que sem ela.


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