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  • Arthur Ituassu

Afinal, quem votou em Bolsonaro?

Atualizado: 16 de out. de 2020

Lançamento do cientista político Jairo Nicolau traça perfil de quem elegeu o atual presidente

Com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em pesquisas de opinião produzidas ao longo da campanha (Datafolha e Ibope) e outras sondagens, o novo livro de Jairo Nicolau apresenta um perfil bastante completo do eleitor de Jair Bolsonaro em 2018. Alguns pontos são importantes de serem comentados.


Em primeiro lugar, vale notar, como afirma o autor, que a eleição de Bolsonaro rompeu com o padrão tradicional de condições necessárias para a vitória em um pleito presidencial no Brasil. Até então, os elementos apontados como obrigatórios eram: um grande volume de recursos para financiar a campanha, um tempo no mínimo razoável de televisão (horário eleitoral) e os chamados "palanques estaduais", ou seja, o apoio de partidos e agentes políticos importantes em seus estados. O atual presidente foi eleito sem muitos recursos, sem tempo de televisão e sem o apoio de lideranças estaduais importantes.


No que diz respeito ao voto e o nível educacional do eleitor, Jairo Nicolau agregou em três planos a escolaridade no país: fundamental, médio e superior, de modo a facilitar as análises. Nesse contexto, percebe-se que Bolsonaro venceu nos três níveis, mas a novidade foi a derrota do Partido dos Trabalhadores (PT) nos níveis fundamental e médio, o que não ocorria desde 2002. Como mostra o gráfico a seguir, a diferença foi bastante expressiva entre os eleitores com nível médio de escolaridade, reforçado durante os governos PT.


Gráfico 1 - Relação entre escolaridade e voto para presidente, segundo turno (2010-2018)

Fonte: NICOLAU, J. O Brasil dobrou à direita. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.


Outro ponto interessante diz respeito à relação entre gênero e voto. Desde a redemocratização, os presidentes eleitos no Brasil sempre tiveram um percentual equivalente de votos entre homens e mulheres. Isso não ocorreu em 2018. Bolsonaro foi o candidato preferido de eleitores masculinos, com mais de 10 pontos percentuais de diferença em relação ao eleitorado feminino. Além disso, a tendência de voto feminino no presidente fica ainda menor quanto mais jovem for o eleitorado.


Também fora da curva na eleição de Bolsonaro em 2018 foi o imenso apoio que teve entre os evangélicos (reunidos no livro em um grupo só). O atual presidente, que foi o primeiro candidato desde a redemocratização a mencionar Deus em um lema de campanha, obteve 70% de apoio entre esse grupo religioso. Entretanto, a hipótese do autor é que o fato se deu menos por causa da filiação religiosa de Bolsonaro e mais em função de uma relativa "afinidade conservadora", no campo dos costumes, entre a plataforma e os adeptos do protestantismo no Brasil.


O antipetismo é mais um ponto abordado pelo autor e que apresenta influência fundamental no pleito, mas não no grau em que o senso comum em geral acredita. Pesquisa de opinião apresentada pelo autor mostra que 50% dos eleitores não aprovavam ou rejeitavam o PT no momento das eleições em 2018. Em meio a esse contexto, eleitores que aprovavam o PT (10%) votaram em massa em Fernando Haddad e entre aqueles que o rejeitavam (30%) a quase totalidade votou em Bolsonaro.


Apesar da qualidade indiscutível do trabalho, algumas questões podem ser colocadas a partir desses e outros dados levantados por Jairo Nicolau. O primeiro ponto diz respeito à abordagem um tanto simples que faz do papel das mídias digitais no capítulo 7, "As redes sociais", o que é natural dado que não se trata de tema de pesquisa do autor. Além dos problemas colocados pelas práticas automatizadas de manipulação da esfera pública digital, incluindo os robôs e as fake news, é importante perceber o que vem sendo considerado como a maior transformação recente ocorrida no âmbito da comunicação política: a comunicação segmentada não pública do agente político com determinados grupos específicos por meio das tecnologias digitais. Em meio a essa nova prática de comunicação de massa, a pergunta que fica é se um político forjado nesse sistema é capaz de governar para todos ou somente para os grupos específicos que procura reunir no momento eleitoral.


Outra questão relevante diz respeito ao impacto dos governos PT no voto em Bolsonaro, o que pode ser percebido nos dados levantados no livro relativos aos temas priorizados pelo eleitor no momento da eleição em 2018. Jairo Nicolau mostra que o eleitor preocupado com desemprego, segurança e corrupção votou majoritariamente em Bolsonaro, o que pode ser relacionado com a crise econômica do governo Dilma, os escândalos da Lava-jato e o descaso durante as presidências Lula e Dilma com a questão da segurança. Afinal, quem não se lembra de como Lula tratou Luiz Eduardo Soares em seu governo, até a saída desse que é um dos maiores especialistas em segurança pública do país da administração federal.


Ao fim, vale considerar as limitações oriundas de uma perspectiva puramente quantitativa. O levantamento exclusivo de dados, apesar de trazer uma riqueza de elementos constituidores do momento e subsídios importantíssimos para estudos posteriores, acaba produzindo uma análise fria, relativamente esvaziada de espírito crítico, gerando o risco da naturalização de um fenômeno que não deve ser visto como normal. Ora, comandada por um presidente negacionista, defensor da tortura e da ditadura militar, historicamente relacionado com grupos milicianos no Rio de Janeiro, que alimenta preconceitos, tensiona as instituições, desrespeita jornalistas e destrói o meio ambiente e os direitos humanos, o que mais a democracia brasileira necessita hoje é de reflexão, e uma maior contribuição de Jairo Nicolau nesse terreno seria muito bem vinda.

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