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  • Arthur Ituassu

E se Bolsonaro fosse um grande administrador?

Atualizado: 30 de jun. de 2020

Desafios e problemas da nossa cultura democrática

(Foto: Agência Brasil)


Uma das causas mais certas da grande chiadeira contra a plataforma Bolsonaro durante as eleições e depois se encontra no fato de que o atual presidente sempre representou uma ameaça às noções clássicas de democracia liberal. Deixe de lado o apoio às armas, a proximidade com as milícias, as declarações machistas e preconceituosas e a circunstância de que o atual mandatário nunca fez nada de expressivo em sete mandatos como deputado no Congresso Nacional, Jair Bolsonaro também é e sempre foi avesso aos princípios básicos do liberalismo democrático.

E o que isso significa? De modo geral, significa uma ênfase maior no voto e, em especial, na ideia de "soberania popular", em detrimento dos direitos das minorias, do controle das instituições, incluindo um judiciário e uma imprensa livre, e da divisão de poderes que, na filosofia liberal, permite mais liberdade ao cidadão em relação ao Estado. Isto é, quanto menos controlado e mais centralizado o poder for, menos livres todos nós estaremos.

Esse significado específico de democracia, que enfatiza o princípio da soberania popular e permite a Bolsonaro e outros populistas se autodenominarem "democráticos", é um dos pontos que une o presidente brasileiro a um rol de políticos que conta com o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, o atual primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, o polonês Jarosław Kaczyński e o russo Vladimir Putin. Todos esses são líderes de plataformas que repudiam a noção liberal de Estado como uma organização de indivíduos (livres), vendo-o, na verdade, como um instrumento de produção de uma comunidade política específica.

Nesse sentido, parece claro que hoje, no Brasil, temos um embate entre noções antagônicas de democracia, no momento em que instituições como a Justiça e a imprensa tentam impor restrições a um presidente que, no fundo, repudia qualquer tipo de limitação. Não é por menos que o professor Jan-Werner Müller, de Princeton, autor do ótimo "What is Populism?", ainda sem tradução no Brasil, alerta para que não chamemos qualquer projeto populista de "democracia iliberal", porque, de fato, ao atacar o liberalismo, o que os populistas (de esquerda ou de direita) querem mesmo é assaltar a democracia.


Para Jan-Werner Müller, o ataque às "elites" (que ganha significados variados a depender do contexto social e histórico) é uma condição necessária mas não suficiente para caracterizar um político como "populista". Além de serem antagônicos ao que caracterizam como "elites", populistas são simultaneamente antipluralistas, alegando que eles e somente eles são representação legítima do "povo". Com isso, tendo como base um enquadramento moral específico, populistas atacam seus adversários taxando-os de corruptos e imorais – pregando até mesmo seu extermínio.

No entanto, se muita coisa une políticos populistas espalhados pelo mundo, os contextos locais apresentam suas especificidades. Na Europa o populismo de direita tem como questão central a imigração, aqui na América Latina o tema preferido dos populistas é a corrupção, o que une historicamente Bolsonaro a Fernando Collor e Jânio Quadros. Foi assim no México com a eleição de López Obrador, em 2018, e em El Salvador, com a eleição de Nayib Bukele, em 2019.

Não parece difícil crer que Bolsonaro seja um produto específico de nossa cultura. O atual presidente representa muitos de nossos elementos tradicionais, seja com seu machismo, seu autoritarismo latente ou sua percepção de que a violência social só se resolve com mais violência. O próprio populismo é um fenômeno típico da política latino-americana e já foi visto por muitos como um instrumento progressista de rompimento das estruturas conservadoras da democracia liberal na América Latina, marcada por uma enorme desigualdade de direitos, recursos e oportunidades.

Em meio a todo esse contexto, vale fazer uma elucubração. E se, diferentemente do que estamos vendo, Bolsonaro fosse um grande administrador? E se o presidente estivesse liderando o país de forma competente e eficiente no combate à pandemia? E se estivesse, ao mesmo tempo, comandando um amplo pacto econômico para dirimir os efeitos da crise? Nessa situação hipotética, qual seria nosso comportamento (social, coletivo e institucional) em relação aos ataques do Executivo às instituições democráticas e à democracia liberal no Brasil?


Não custa lembrar que, não faz muito tempo, permitimos que um presidente mudasse a Constituição para permanecer mais quatro anos no poder, em um momento em que tudo ia bem.

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