Desinformação não é tema de governo.
Nos últimos dias, as ações do governo no combate às fake news e à desinformação ganharam destaque.
A Folha de S. Paulo publicou matéria questionando a incerteza do início dos trabalhos da anunciada Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, no âmbito da Advocacia Geral da União.
Dois dias depois, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania criou um Grupo de Trabalho para debater e sugerir estratégias de combate ao discurso de ódio e ao extremismo nas redes, com a participação de Felipe Neto e a condução de Manuela D'Ávila.
No mesmo dia, a Folha repercutiu a carta do Presidente Lula à diretora-geral da Unesco, lida pelo secretário de Políticas Digitais da Secom, João Brant, na conferência global "Internet for Trust", em Paris.
É natural que Lula, o PT e, de fato, todos preocupados com o papel das mídias digitais na política brasileira queiram dar uma resposta aos ataques recentes à democracia, que culminaram nos atos violentos do 8 de Janeiro. No entanto, é preciso separar os assuntos. Há o debate sobre a regulamentação das mídias digitais, o debate sobre discursos de ódio e antidemocráticos e o debate sobre fake news e desinformação.
A discussão sobre a regulação das mídias digitais é certamente bem vinda. O Brasil já ocupou posição de vanguarda no tema com a aprovação do Marco Civil da Internet, mas, de lá para cá, a deliberação nos âmbitos formais ficou estagnada e não avançou no terreno das regulamentações mais finas. O governo pode e deve puxar novamente o debate sobre a regulação de olho em boas experiências internacionais como a da Alemanha.
No que diz respeito aos discursos de ódio (inclusive racistas e sexistas) e os discursos antidemocráticos, também o governo pode exercer um papel importante, chamando a atenção para o tema, reunindo experiências e propondo estratégias de combate a essas questões, como parece ser a ação do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Com relação às fake news e à desinformação, entretanto, este é um terreno no qual o governo não deveria se meter. Não cabe a uma agência de governo dizer o que é ou não verdade na política. A mentira sempre fez parte do jogo político e qualquer tentativa de controle pelo Executivo lembrará o Ministério da Verdade do 1984 de George Orwell. Pode agradar alguns enquanto este for o governo, mas e quando outra tendência ideológica estiver no poder?
Sobre este último ponto, o governo deveria apoiar agências e laboratórios da sociedade civil e das universidades, deixando para outros poderes competentes toda e qualquer iniciativa de discussão e regulação.
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