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  • Arthur Ituassu

O problema é o processo, não um "golpe"

É preciso ver até onde Bolsonaro já chegou

(Foto: Agência Brasil)


Muitas interpretações sobre o 7/9 têm chamado a atenção para uma relativa derrota de Jair Bolsonaro com as manifestações antidemocráticas. Alguns afirmam que o governo, em um ato desesperado de força, demonstrou, de fato, sua fraqueza. Outros dizem que Bolsonaro apenas se isolou mais com os protestos e seus discursos. Ainda, diz-se que não houve tanta gente como se esperava e o "golpe" não aconteceu.


Em primeiro lugar, é importante notar que o ataque do populismo extremista às democracias não se baseia na ideia de um golpe. Não foi assim na Venezuela, na Polônia, na Hungria, El Salvador ou mesmo na Rússia ou Turquia. Em todos esses lugares, como a teoria contemporânea afirma, o que ocorreu foi um processo chancelado pelas urnas e que pouco a pouco destruiu a democracia liberal, com a tomada de controle ou destruição das instituições que servem de contrapeso ao Executivo, como a Justiça, a imprensa independente e os parlamentos.


Trata-se de um processo lento, em que aos poucos a democracia é corroída, até um momento sutil no qual não há mais volta. Nesse contexto, me lembro de ouvir de um ex-ministro venezuelano, em 2006: "Arthur, não há mais retorno possível para a democracia na Venezuela". Já se vão 15 anos de lá para cá.


Especificamente sobre o populismo de extrema direita de Jair Bolsonaro, a estratégia é a famosa "diplomacia do tijolo", popular e tradicional entre setores conservadores mais radicais nos Estados Unidos. A ideia consiste de "jogar um tijolo", isto é, avançar com um posicionamento radical, depois recuar um pouco. Passa um tempo e joga-se novamente um novo "tijolo", depois mais um recuo. Assim, aos poucos e sem nenhuma resposta de fato, é possível avançar casas rumo ao objetivo traçado.


Com essa estratégia – e é um erro achar que não há uma estratégia –, Jair Bolsonaro já avançou muito contra a nossa democracia. A suposta "fraude nas urnas", um tema que não existia na agenda brasileira, hoje faz parte do debate público, bem como a ideia de que o Supremo Tribunal Federal precisa ser controlado. Em meio a quase 600 mil mortes com a Pandemia, quase 15 milhões de desempregados, inflação em alta e dólar nas alturas, Bolsonaro colocou uma multidão na Avenida Paulista e em Brasília para protestar contra o STF, a favor do regime militar, entre outras bizarrices. Será isso mesmo uma demonstração de fraqueza? A questão aqui não é meramente quantitativa, o problema é a relação entre o número de pessoas e a real importância das pautas levantadas.


Se eu fosse fazer uma aposta, diria que o atual mandatário, depois do 7/9, vai ficar quieto por um tempo, vai deixar a poeira assentar, para voltar novamente mais tarde com um novo "tijolo". Essa será a estratégia até as eleições, de modo a conseguir tumultuar o pleito de alguma forma a seu favor (não à toa, Bolsonaro retornou com a pauta das urnas eletrônicas). Nesse contexto, é importante dizer, discursos somente podem não nos salvar.

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